Angela Melim recitando "Nomes aos bois"

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Mais uma do amor


Amor, quando contei sobre aquela terrível doença
Você chorou.
A cirurgia, os exames,
A fraqueza do depois do corpo aberto
E eu ouvi sua voz.
Chorei tanto.

É isso.
Nós choramos.
Vivemos saudades,
A alegria, alegria.

Nos amamos nas crises de riso que temos na cozinha.
Por alguma bobagem momentânea
E vai ser sempre assim.
Através do tempo que desgasta tudo.
O esmalte, as roupas, as pessoas, o corpo, os sentimentos...
Ele só não desgasta esse mistério
O amor.



Fabiana B. Farias
(Outubro de 2010)

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essas coisas do amor e do ódio...


© Foto de Jean Marc Bouju. Filho abraça o pai em campo em campo de prisioneiros. Iraque 2003


narrar um assassinato é quase tão

difícil como dizer que te amo

como falar do sangue que se esvai ou

vc cantarolando numa aléia do horto de vestido florido

como descrever o terror dos olhos e o grito sequelado ou

vc vendo tv de calcinha de algodão

ou como dizer da arma ainda quente ou

seu corpo mole na cama

essas coisas do amor e do ódio

são impossíveis de narrar.



Chacal





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Daqueles livros que mudam sua vida: O estrangeiro


"E, com as horas de sono, as recordações, a leitura de minha ocorrência e alternância da luz e da sombra, o tempo passou. Tinha lido que na prisão se acaba perdendo a noção do tempo. Mas, para mim, isto não fazia sentido. Não compreendera ainda até que ponto os dias podiam ser, ao mesmo tempo, curtos e longos. Longos para viver, sem dúvida, mas de tal modo distendidos que acabavam por se sobrepor uns aos outros. E nisso perdiam o nome. As palavras ontem ou amanhã eram as únicas que conservavam um sentido para mim."

Albert Camus.  In: O estrangeiro

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Daqueles livros que mudam sua vida: Romeu e Julieta



Jardim de Capuleto

(Entra Romeu)

ROMEU- Só se ri das cicatrizes aquele que nunca sentiu uma ferida. (Julieta aparece à janela) Mas... devagarinho! Qual é a luz que brilha através daquela janela? É o oriente, e Julieta é o Sol. Ergue-te, ó Sol resplandecente, e mata a Lua invejosa, que já está fraca e pálida de dor ao ver que tu, sua sacerdotisa, és muito mais bela do que ela própria. Não queiras mais ser sua sacerdotisa, já que tão invejosa é! As roupagens de vestal são doentias e lívidas, e somente os loucos as usam. Deita-as fora! Esta é a minha dama! Oh, eis o meu amor! Se ela o pudesse saber! O seu olhar é que fala e eu vou responder-lhe... Sou ousado de mais; não é para mim que ela fala. Duas das mais belas estrelas de todo o firmamento, quando têm alguma coisa a fazer, pedem aos olhos dela que brilhem nas suas esferas até que elas voltem. Oh! Se os seus olhos estivessem no firmamento e as estrelas no seu rosto! O esplendor da sua face envergonharia as estrelas do mesmo modo que a luz do dia faria envergonhar uma lâmpada. Se os seus olhos estivessem no Céu, lançariam, através das regiões etéreas, raios de tal esplendor que as aves cantariam, esquecendo que era noite. Vede como ela encosta a face à sua mão. Oh! quem me dera ser a luva dessa mão, para poder tocar a sua face.

JULIETA- Ai de mim!

ROMEU- Está a falar... Oh! continua, anjo resplandecente! Porque esta noite tu brilhas tão esplendorosamente sobre a minha cabeça como um alado mensageiro do Céu perante o olhar extrasiado dos mortais, que escondem a íris nas pálpebras ao inclinarem-se para o contemplar quando ele perpassa por entre as nuvens indolentes e navega no seio do ar.

JULIETA- Oh! Romeu, Romeu! Mas porque és tu Romeu? Renega o teu pai, o teu nome; ou, se o não quiseres fazer, jura apenas que me amas e deixarei eu de ser uma Capuleto.

ROMEU (aparte)- Deverei eu continuar a ouvi-la, ou responder-lhe?

JULIETA- É apenas o teu nome que é meu inimigo; tu és tu mesmo, e não um Montecchio. E que é um Montecchio? Não é mão, nem pé, nem braço, nem rosto, nem qualquer outra parte que pertença a um homem. Oh! Sê qualquer outro nome! O que é que existe num nome? Aquilo a que nós chamamos rosa teria o mesmo perfume embora lhe déssemos outro nome! Assim, Romeu, ainda que não se chamasse Romeu, conservaria a mesma perfeição que agora possui. Romeu, renuncia ao teu nome, e em vez dele, que não faz parte de ti mesmo, apodera-te de mim!

ROMEU- Aceito. Chama-me apenas teu amor, e far-me-ei de novo baptizar. De ora avante nunca mais serei Romeu.

JULIETA- Quem és tu que, assim protegido pela noite, vens surpreender o meu segredo?

ROMEU- Eu não sei que nome hei-de pronunciar para te dizer quem sou. O meu nome, querida santa, eu próprio o odeio, por ser para ti um inimigo. Se eu o tivesse escrito, rasgá-lo-ia.

JULIETA- Os meus ouvidos não escutaram uma centena de palavras pronunciadas por esta voz, e contudo eu reconheço-a. Não és tu Romeu, e Montecchio?

ROMEU- Nem uma coisa nem outra, gentil donzela, se ambas te desagradam.

JULIETA- Dize-me: como vieste tu até aqui e para quê? Os muros do jardim são altos e difíceis de escalar; e este lugar será para ti a morte se algum dos meus parentes te descobre aqui.

ROMEU- Transpus estes muros com as leves asas do amor, porque não são as barreiras de pedra que o podem embaraçar; e o que o amor tem possibilidades de fazer ousa logo tentá-lo! Por isso mesmo, não são os teus parentes que me servirão de obstáculo.

JULIETA- Se eles te vêem, matar-te-ão.

ROMEU- Ai! Há mais perigo nos teus olhos do que em vinte das suas espadas. Basta que me olhes com ternura e ficarei couraçado contra a sua inimizade.

William Shakespeare  In: Romeu e Julieta


* Em homenagem ao aniversário do meu Romeu.

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Linda, uma história horrível*



— Deixa eu te ver melhor — pediu.

Ajeitou os óculos. Ele baixou os olhos. No silêncio, ficou ouvindo o tic-tac do relógio da sala. Uma barata miúda riscou o branco dos azulejos atrás dela.

— Tu estás mais magro — ela observou. Parecia preocupada. — Muito mais magro.

— É o cabelo — ele disse. Passou a mão pela cabeça quase raspada. E a barba, três dias.

— Perdeu cabelo, meu filho.

— É a idade. Quase quarenta anos. — Apagou o cigarro. Tossiu. — E essa tosse de cachorro?

— Cigarro, mãe. Poluição.

Levantou os olhos, pela primeira vez olhou direto nos olhos dela. Ela também olhava direto nos olhos dele. Verde desmaiado por trás das lentes dos óculos, subitamente muito atentos. Ele pensou: é agora, nesta contramão. Quase falou. Mas ela piscou primeiro. Desviou os olhos para baixo da mesa, segurou com cuidado a cadela sarnenta e a trouxe até o colo.

— Mas vai tudo bem?

— Tudo, mãe.

— Trabalho?

Ele fez que sim. Ela acariciou as orelhas sem pêlo da cadela. Depois olhou outra vez direto para ele:

— Saúde? Dizque tem umas doenças novas aí, vi na tevê. Umas pestes.

— Graças a Deus — ele cortou. Acendeu outro cigarro, as mãos tremiam um pouco. — E a dona Alzira, firme?

A ponta apagada do cigarro entre os dedos amarelos, ela estava recostada na cadeira. Olhos apertados, como se visse por trás dele. No tempo, não no espaço. A cadela apoiara a cabeça na mesa, os olhos branquicentos fechados.


Caio Fernando Abreu. In: Os Dragões não Conhecem o Paraíso






*Um dos melhores contos do Caio. Justamente incluído em "Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século" na seleção de Ítalo Moriconi.
Para ler o conto todo: site releituras

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Série Alfa 47

Mais um número de uma série linda. 
sèrieAlfa.art i literatura Núm. 47
València, setembre 2010





Nessa edição, colaborei com a tradução de um poema maravilhoso de José Pérez Olivares : Jacó e Esaú


Mais uma vez o meu agradecimento a Joan Navarro pelo convite  e meus parabéns  por mais esse lindo número!





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Adeus, Kiki




Ontem foi o dia de dar adeus para Kiki Peixoto. Ela se foi. Like Diva.
Kiki me ensinou muito tateando os sentidos, exorcizando os demônios e surgindo como sacerdotisa debaixo de maquiagem de Teatro Kabuki.
Não possuindo a materialidade ou a totalidade, Kiki era o corpo.
Respirava em linha reta.
Deslocou-se, mudou de estado
Kiki fechou a porta do inferno. E acabei fechando o meu inferno também.

Kiki antes da chegada do centauro pistoleiro sussurrou últimas palavras, inéditos.

Deixo dois aqui nessa despedida sem fim:





Adolescentes Suicidas



Adolescentes são muito suscetíveis a cortarem os pulsos. Ela cortou as duas mãos e metade da língua.







Pés de barro



A mulher escreve um rolinho daqueles que as fãs escrevem para os ídolos. Carta de ternura ao homem, recado das possibilidades abertas e fechadas, fechadas e abertas. Pálpebra pisca sem cílios. Ela não quer enviá-la. Não quer mais.





Mais de e sobre Kiki Peixoto em: http://kikipeixoto.blogspot.com/

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Anestesiar o drama




Eu só tento fugir da minha herança
Anestesiar o drama
Para poder seguir.

Existe uma loucura que pulsa nos genes
Pulsa no sangue
Em ritmo staccato
Pedindo para abrir a porta

Lá dentro,
Há ela.
Querendo ser eu
Querendo ser eterna

Segura na mão uma foto minha de criança
E aponta para o chão cheio brinquedos nunca usados

Ela me cobra.

Eu só quero fugir desta herança
Anestesiar o drama.
Esquecer ela dentro de mim.


Fabiana B. Farias

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Um dia (II)



para Charles Miranda


Eu só observo.
Um dia chegou esse homem.
Precisava de dinheiro.
Filha-precisando-de-transplante-de-medula.

“Mas eu só observo.”
Pensei em dizer.


Ele falava
E fazia gestos para descrever cada palavra
Como quem fala com surdo-mudo.


A mão era seca.
“A nossa vida é seca”
Eu disse sem dizer.

Eu só observo.
Mas infelizmente escuto demais.



Fabiana B. Farias
(2010)

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Hoje eu revisto os bolsos da tua calça.
Procuro as memórias.
Não as nossas,
As suas.
As felizes.
As que guardou só pra ti.


Fabiana B. Farias
2010

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Fool’s Glad


Pra sempre, Perfeito, Maior que existe, Inefável, Indefectível, Hot, gênio, Divino, o maior que eu já vi...
...
- Eu te amo
- Fool’s Glad is the secret, sugar…





Fabiana B. Farias

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Diáfano



para Rogério de Medeiros


Daqui vejo tuas galerias de luzes e escuto ressoar, sereníssima, a batalha contínua
de tuas centopéias de aço
Do silêncio sobre quatro patas por trás das janelas fechadas.
As calçadas refletem o eco de velhos passos, milhares, bilhões
E nada refletem.
Das frinchas expostas ao sol, escorre em meio ao lodo negro,
A nossa história sussurrada
Em um caleidoscópio delirante
E a inconseqüência casual
Sem nexo.
A onda que te encobre súbita é feita de terno e da doce carne humana
Esses fugazes vultos
Que se afastam.


Fabiana B. Farias

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Da Morte Azul



para Jonathan
O que eu quero
É o que te inspira,
O teu bom gosto,
O teu mergulho dentro do corpo,
A tua incontrolável Morte Azul...



Fabiana B. Farias

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Jonathan Fontenelle

Jonathan Fontenelle,1981, piauiense, poeta e professor. Formado em Letras, pós-graduado em Literatura Portuguesa.
Só que ele é mais. É meu amigo e é um dos meus poetas favoritos.






Para Ana Cristina César

parece que foi ontem, eu fiz
aquele chá de habu
pra te curar da tosse e do chulé
pra te botar de pé
(Los Hermanos)




areia. parece areia. as moléculas migrando. não ouço mais o som das mordidas. brancas. bem ali. o vento vibrando o meu cabelo. cortando em trapos e tapas-sexo. de onde vem essa música? você. nós. não me pergunte. meu hímen, às vezes, me ofusca. tento entender, sabe? queria estar lá. me diz. ver seu rosto calmo. sua voz tão rouca. não vá. eu vou. não grite. eu grito. não veja as coisas assim. não. não. não. tudo que eu quis. tudo parecia. areia. a gente não. não. não. depois. você. depois que



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Um dia




Ter entrado como sempre atrasada e sem fantasia para a ópera do dia. Ter sido a última na fila de distribuição das vagas ao paraíso. Ter dormido com a cara no vidro. Ter atropelado um gato e, ao meio-dia, ter enganado as tripas. Ter ido para a faculdade para ser punida em 18 dias de abstinência pelo atraso dos livros. Ter proferido ameaças entre os dentes quando ninguém mais ouvia. Ter dançado tango. Descobrir que não sabia dançar tango. Ir para casa e atender um telefonema aos gritos. Ter a lembrança que implorava desculpas a um amigo. Ter ido para a cama e, como quem toma um tiro na testa, dormido.




Fabiana B. Farias

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Um sonho...



Sonho I


Entro numa loja e não tenho dinheiro.
Peço o livro “Harry Potter e o cálice de fogo”. O vendedor me entrega outro.
Eu demoro um tempo observando a capa até notar a diferença. Peço ( depois de pensar em vários nomes) algum livro da Clarice Lispector, mas faço uma ressalva: “ menos aquele da barata”.
O vendedor me dá dois livros achando que é um só.
Há um homem de preto e guarda-chuva aberto ao meu lado, ele percebe o erro, mas continua calado. Ele é enorme e faz uma sombra imensa sobre mim.
Vou até o caixa e dou um cartão errado. Pego de volta e dou um cartão vencido. Abaixo a cabeça e percebo uma mancha preta nos meus dedos. O cartão passa.
Vou até o vendedor e pegos os livros. E saio rapidamente da loja.


Fabiana B. Farias - sem data

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SèrieAlfa.art i literatura Núm. 45

Da minha parceria com o poeta Joana Navarro. Que nunca se esquece de quem está do outro lado do Atlântico.



sèrieAlfa.art i literatura Núm. 45
València i Quebec, primavera 2010 ISNN 1989-3590
Zona d’enlluernament
Quatre poetes de Quebec



Traductors
:
Manuel Bomom Pale
Ruperta Bautista
Andrés López Díaz
Fábio Aristimunho Vargas
Lígia Dabul
Antônio Moura
Marta Uberos
Joan Navarro
Elisa Andrade Buzzo
Rosa Isabel Mengual
Lola Fernández
Pilar Segarra
Carlos del Río

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Um troço qualquer morreu...

“ Pode ver que no meu mundo um troço qualquer morreu.
Num corte lento e profundo entre você e eu” (Cazuza)


E foi assim.
Você
Eu
E o passado cheio de veias e olhos
E foi assim.
Você
Eu
E o passado cheio
de.
E assim
no silêncio em que nos olhávamos
O vento
passava
pelos
nós.

Fabiana B. Farias

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Eu juro...

"Não, você não sabe, você não sabe como
tentei me interessar pelo desinteressantíssimo..." (Caio Fernando Abreu)





Desculpa, eu tentei.
Ali estava.
Sentada na sala, todos os dias.
Oferecendo o melhor sorriso com as mãos apertadas na saia.
A minha ironia refinada
E você riu
( quantas vezes?)
do meu sarcasmo.

Mas por que sempre no olho do teu sorriso esse fio de raiva?

Eu te disse coisas bonitas
Gostava de ver você sorrir.
Eu te disse “saudade”, “afinidade” e um bocado de “sim”.
E por que de volta só tuas palavras e sentimentos virando rápido a esquina?
Eu gastei o que não tinha para te visitar em outra cidade.
Organizei os teus remédios.
Confiei o segredo do meu corpo descoberto.
E no meio desse encontro de sábado sei que perdi.
Perdi para tua postura de bote
Para a sensação riscada na carne, pendurada no teu sorriso crispado
Que falei além.
Descer as escadas da tua casa
Correr, fugir...
Eu que digo demais
Para tentar te ensinar um pouco de entrega.
Eu juro que tentei.... Mas acho que...
Não que eu seja santa.
Só tentei que acontecesse contigo
E eu...juro... que.



"- Obrigada pelos livros!"
Terminei.
E daqui pra frente te deixo livre pra pensar o pior de mim.


Fabiana B. Farias

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