Incomunicável

para Caio Fernando

São duas da tarde, eu reparo no relógio atrás de você, por trás do silêncio e de sua respiração. Você está de olhos fechados, eu imito e vejo amarelos furiosos que esperam. O que tento dizer escapa pela boca em outras palavras, nas previsões de tempo, nalgum maremoto na costa da Califórnia ao que você tem suas considerações desconsideráveis que escuto atento e o que não foi dito escapa pelos deslizes da fala que não fala e não cala, nos dedos que se entrelaçam aos seus. Toda aquela coisa negra sem nome se desenrola por dentro de mim, ataca o sangue , os ossos e parece ceder ao assombroso silêncio de tua devassa atenção ao esmalte vermelho das unhas. A saliva acumula inútil, inútil na boca.
Eu revelo algum segredo com um profundo suspiro, interrompido pelo preço absurdo das ações de uma antiga usina nuclear, eu resmungo involuntariamente, um “pensamento-pronto-econômico”. Você repara a coisa negra que observa pelos meus olhos.
Eu suo enquanto seu riso frente ao meu pêlo eriçado soa levemente histérico, sua cabeça queda para trás num redemoinho de cabelos vermelhos. Algo foi dito e eu despejo o que resta de escuro em mim neste “pois é” oco que é respondido inteligentemente com sua tosse molhada, sóbria. Chove e você parte. O relógio marca oito da noite e pelo vidro eu vejo você.
É, você entendeu.



Fabiana B. Farias
(Escrito no Natal de 2003)

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